31 de julho de 2008

Descrescendo

O mundo está ficando cada vez menor, comentou. Ela acendeu um cigarro, e ofereceu-lhe uma tragada. Não, ele agradeceu. Tá. O mundo. Oi? O mundo, você estava falando do mundo. O mundo está ficando cada vez menor. Por isso os carros também estão menores, os apartamentos, as ruas. Faz sentido. Não é? A terra está encolhendo. Mas o ser humano, dizem né, o ser humano, ele é maior do que ele era mil anos atrás. Aliás, do que ele era no século passado! Como é possível a terra estar encolhendo e o ser humano estar crescendo? Já parou pra pensar nisso? Confesso que não. Uma tragada. Pois é. É muita coisa que escondem de nós, mas não dá pra esconder tudo. Outra tragada. Há quanto tempo que você fuma? Desde os treze. Outro dia eu sonhei que eu estava montada num rinoceronte, mas estávamos no meio do centro da cidade, um centro, algum centro, no meio do trânsito. Na verdade eu acho que era Papai Noel, depois virou um rinoceronte, quando ele começou a cavalgar, cavalgar? É assim que se fala? Não sei. Em fim...ele começou a subir por cima dos carros, atropelando mesmo, paramos para tomar um caldo de cana, com pastel, também não sei porquê, e tínhamos que chegar ao topo da montanha. Qual montanha? Aqui? É...era aqui, mas não sei, era alguma montanha, mas a montanha virou o Corcovado, o morro, conhece? Não. Ele é lindo! Pelo menos no meu sonho ele era. Então vocês chegaram lá! Chegamos! Mas não faço a menor idéia do porquê de termos que ir pra lá, nem sei quando o rinoceronte desapareceu porque eu lembro que quando cheguei no topo, abracei a estatua do Cristo, e ele já tinha sumido. O rinoceronte. Sabe uma coisa estranha? Mais uma tragada. A estatua era gigantesca, e ela estava completamente pichada. Aí eu chorei...chorei ao ver esses traços de tinta desenfreados...e eu abracei-a, a estatua, e o doido, escuta só, o doido era que eu consegui tocar os meus dedos do outro lado. Como assim? Ao abraçar a estatua. Você consegui chegar a tocar uma mão na outra? Isso! Não é doido? Então eu me joguei lá de cima, e caí, caí...caía sem chegar a lugar nenhum, e ficava pensando, como será a dor quando chegar ao chão? E como foi? Não sei. Acordei com as duas pernas completamente adormecidas. Mas, não se preocupe. Elas não estão adormecidas agora. Tudo bem. Não estou preocupado. Apaga o cigarro.

Acende outro. Ele olhou para ela, que virou o rosto para o outro lado, pois não era um olhar ao que estivesse acostumada. Você é diferente, ele disse. Diferente de que? Das outras. E puta tem um jeito certo de ser? Não. Você vem muito por aqui? É a primeira vez que te vejo, ou já nos vimos antes? Não. Você não é de falar muito, eu falo, bastante, nunca contei isso a ninguém, esse sonho, mas você me deu , não sei, parece que você foi feito para ouvir, já te falaram isso antes? Que você foi feito para. Ouvir. Qual a tua idade? Vinte. E quando você teve esse sonho? Anteontem. Riram. Então, quer ir de novo? Não. Mais uma tragada. Ela ofereceu-lhe um, e ele aceitou. Ficaram ali, contemplando o teto. Ela a aranha de cinco pernas, que desde o começo do programa não havia se mexido de sua esquina, e ele, a falha no acabamento da parede cor de rosa, que teria no dia seguinte, vestígios de principio de vazamento..
Já estive neste quarto antes, pensou.

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Fernando Arze