24 de maio de 2008

(Sem título)

Tudo que tens. A dizer que tens a me dizer. Tudo me dizes. Com teu nada. Teu nada vazio. Cheio de nada. Melhor vazio cheio. Cheiro teu cheio prato vazio. Sem nada. Sem cheiro. Creio que tudo me diz que nada em você chega à genialidade que esperas ter sobre o tudo que dizes que é nada, que queres que nada seja, ou achas que de tudo nada ouvem e culpas os rostos verdes que não riem do teu tudo que é nada. E agora, finalmente dissestes algo com conteúdo. Com tudo. Com teu tudo. Teu nada teve tudo.


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Uma madrugada levaram 16 de nós para um prédio, daqueles construídos antes da Segunda Guerra, num ônibus todo preto. As janelas também estavam pintadas de preto. Estacionamos no meio de um pátio. Cheiro a gasolina, a morte. Os sons lembravam a abandono. Vendaram nossos olhos e nos conduziram até um salão e lá ficamos esperando sem saber por quê.

Depois de um tempo começaram a nos chamar, um por um. Eu fui o quarto, e me levaram para uma outra sala menor. Removeram a minha venda e então, vi que dentro da sala havia um tenente, um sargento, uma mesa e uma terceira pessoa sentada e amarrada a uma cadeira. Vestia um capuz e luvas de couro. O sargento segurava uma marreta na mão direita. Ele olhou para mim, não, plantou seu olhar em mim, botou o polegar do sujeito encapuzado na quina da mesa e bateu com força. Eu fiquei olhando, não disse nada, não soube o que dizer. O encapuzado foi instruída a não fazer nenhum barulho, mas a dor o levou a um lugar além do silêncio, e ouviu-se um grito contido, que confesso, me cativou. Ninguém disse uma palavra. Na mesma noite entrei em mais duas salas. Procedimentos similares.

Voltei mais uma, duas, três, seis noites seguidas. Procedimentos similares. Mas na sétima, ao entrar na sala, notei que não havia sargento. O mesmo tenente de sempre, olhou-me e entregou-me a marreta. Sabia o que tinha que ser feito. Procedimentos similares. Comecei com o polegar.

Depois daquela noite não me chamaram mais e achei que tivesse me equivocado de alguma maneira. Mas o meu receio esvaeceu semanas depois, com a chegada de um cheque na minha caixa postal. Foi o dia mais feliz da minha vida! Meu, dos meus dois filhos porque eles ganharam uns soldadinhos de chumbo que sempre quiseram e de minha mulher porque pude comprar a geladeira e a batedeira que ela sempre quis. E foi que tudo começou. Cada semana, cada cheque era um motivo de alegria. E o tempo foi passando. Reformamos a casa, os meninos puderam entrar nas aulas de inglês e na escolinha de futebol.

Na verdade, eu sempre quis ser pintor. Sempre admirei como o balé de cores estáticas numa tela, podia mexer tanto comigo. O meu trabalho na delegacia tinha se tornado rotineiro, sem nenhum sentido. Eu me sentia um empregado público qualquer, um continuo.
Então decidi abrir meu leque para novas formas de expressão e comecei a utilizar outros instrumentos de trabalho. Foi quando surgiram as minhas primeiras pinturas.

É impressionante como o som emitido pela dor consciente é completamente diferente àquele emitido pela dor inconsciente, e foi a eletricidade que me ajudou a brincar com esta descoberta. O eletro-choque atinge o ponto mais profundo da alma de uma pessoa, de maneira direta, além do racional. Tornou-se fruto do meu fascínio. Desde o girar da manivela até o final do ultimo uivado dessa pessoa que perde completamente a percepção de qualquer coisa tangível. Até colocar os fios de cobre no lugar certo tornou-se um trabalho minucioso, de requinte. Geralmente se começa pelo braço direito para poupar o coração. O teor do sofrimento da pessoa não me interessava. Não sou sádico. O que me interessava era a qualidade cromática do som emitido na hora da aplicação.

Por exemplo, um choque nas têmporas gera um celeste, mas se eu quiser um azul turquesa eu vou direto pra sola do pé. Azul cobalto, no pênis. É claro, conseguir esse tom de azul numa mulher é complicado. Um choque na vagina geralmente retorna um vermelho laca orquídea, ou um vermelho Veneza se ela estiver grávida. Outros vermelhos se encontram na boca. Vermelho rubi, por exemplo, é na gengiva. Mas a gengiva é um lugar problemático porque o fio de cobre geralmente se cola na mucosa. Vermelho francês, carie, Da China, dente quebrado vermelho - a não ser que o nervo esteja exposto. Aí você passa para um marrom terra. Engraçado, a vagina e a boca geram muitos vermelhos. Talvez porque as duas sejam buracos. Os verdes: Verde musgo parte inferior da língua, verde esmeralda : pálpebras, mas se você queima a córnea, você perde o seu verde.. Fundo dos ouvidos, branco titânio. Violeta é nos testículos. Alguns tons de lilás se conseguem nas partes superficiais do corpo, mamilos, ponta dos dedos, unhas, em fim. Aliás a minha mulher me disse que o violeta está na moda. E o preto? O preto é anus. Anus sempre preto.

É claro, cada pessoa tem as suas particularidades. Somos todos indivíduos únicos, mas eu aperfeiçoei a minha técnica de tal maneira que posso pintar o quadro que eu quiser com o som que eu quiser. Minhas próprias obras de arte. A fidelidade! Fundamental pro sucesso do artista – a fidelidade ao seu oficio – e eu posso dizer que sou um artista de sucesso. Pus comida na mesa, construí uma casa nova, botei meus filhos na melhor escola, e fui fiel a todos os caprichos de minha esposa. Afinal, qual artista, hoje em dia, pode dizer que sobrevive de sua arte? Eu sobrevivo. Eu sobrevivo.

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(Texto que fez parte da peça "Catástrofe da Borboleta”. Tortura nunca mais! As ditaduras têm uma maneira de nos fazer sentir que é exatamente isso que precisamos. Não é verdade)

21 de maio de 2008

Quero ser um louco. Sonho de consumo. Loucura. Tou comprando. Salmão, tilapia, atum português, camarão do Chile, loucura ...de onde? Francesa, com um tom de nobreza nela, para poder ser decapitado vestindo estilo e usando perfume. Chinesa, para poder invadir algum templo budista numa terra tão inóspita que nem o vírus ebola encara. Espanhola, para poder incinerar a todos em nome de alguém que jamais lhes faria mal. Queniana, para abortar...abortar...abortar...e sobreviver àquela doença que ninguém ainda conhece. Jamaicana, para parar de fumar...e começar a fumar. Israelita, para poder ter o direito de invadir o espaço de outro e chamá-lo de anarquista infiel. Iraniano, para ter uma plantação de urânio junto com meu amigo Russo. Do Congo, para achar que as crianças que fazem brotar diamantes do meu chão, estão em melhor estado que aquelas que colhem tabaco nas planícies do pampa brasileiro. Quero ser louco para poder botar todos os franceses, chineses, espanhóis, quenianos...e o resto, no mesmo saco, sem aceitar que farinha...bem...só existe uma, e sem ter nenhum remorso. Quero ser um louco, sem ter o insano. Um louco são, São Louco de algum lugar...de qualquer lugar, não interessa, já que é tudo farinha do mesmo...diz a loucura que é. Quero ter a loucura da criança e do moribundo. Quero ouvir uma conversa entre a criança e o moribundo. Quero rir ao ouvi-la. Quero cortar meu dedo e enviá-lo para alguém que nunca me conheceu...de verdade Alguém que vá jogá-lo fora, e diga, tá na hora de partir. Quero brotar partidas. Quero que as partidas cheguem a mim.
Un loco lleno de aire, subiendo...o un loco que aterriza en una tierra que no se acuerda que va a conocer. Quiero poder ver a través de mi mano cuando te la pongo en el pecho. Poder contar en sistema binario. Tú y yo.
Si nos contamos, llegamos.
Quero ser louco para aceitar que urânio se planta, e que a planta do tabaco é radioativa. Quero ser louco por radio. Cuidado, o radio queima. E o fogo não conhece o radio. Quero apresentar o fogo às ondas de radio. Binário. Ir e vir. Um louco binário. Se é que isso faz sentido. Se fizer, não quero.


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Você existe.
Sim. Estou aqui, não estou? Ele respondeu.
Então...
Não, não é bem como você queria, mas mesmo assim aconteceu, ele confirmou com um olhar tranqüilo. E ela deixou de perguntar, por que pressentiu que qualquer palavra, além do que devia ser dito, seria um tiro vazio em busca de algo que, talvez, pelas palavras dele, não existisse mais.
Ele quis cantar algo para ela, mas veio-lhe uma dúvida, e soube que esta não poderia ter vindo em momento menos propicio. Às margens do olhar dela, ele carregava-se de coragem para semear uma nota no ar verde esfumaçado de lua crescente. Mas sabia que, no momento dele parir a nota, ela pressentiria que o canto se esvaeceria junto com a sua existência, porque o canto era dela, e ele apenas queria aprender a sua língua.
Mesmo assim, ele cantou, e na periferia do olhar dela, ele deixou de existir. Mas outros logradouros começaram a fervilhar dentro da fêmea, e ela, que cantava tão facilmente quanto respirava, esqueceu que nota viria depois de sua risada habitual.
Deixaram de existir então, como eram.
Apenas para aprender a ser de outra maneira.
E a lua bebeu o café que estava finalmente pronto.


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19 de maio de 2008

Motif - Variation 1

Eu te amo, ela disse. Foi então que ele percebeu que deveria responder com as mesmas palavras, e o pânico inundou seu ser. Abriu a boca, e o ar recusou-se a sair, mas como rebeldes de uma revolução sem nome, as palavras, eu também te amo, resvalaram sobre sua língua e entre seus lábios. Só soube que elas tinham escapado ao ouvi-las, soltas, no ar de trinta e oito graus, desse inverno desajustado. E nesse momento em que ele as entendeu, percebeu, também, que ele sorria, que um alivio tomara conta dele, e que ela sorria também, ao mesmo tempo em que entrava num sono que seria de profundo descanso. Percebeu então, que realmente a amava, e que tudo aquilo era real, verdadeiro. Sentiu sua mão apertando a pele dela na área do quadril esquerdo, e cheirou os seus cabelos. Uma mistura de maresia, com fumaça, cachaça e lavanda, remanescentes de uma noite quase comum. Se não fosse por essas palavras. Se não fosse por elas terem sido ouvidas por ela, nenhuma outra, e que agora dormia.


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Este blog é uma tentativa de reunir pensamentos, alegrias, convicções, derrotas, conquistas, em uma página, sempre tentando se afastar de qualquer julgamento. Um exercicio que talvez fracasse, mas que será vitorioso enquanto perdure. Sim, Vinicius, já começo com um certo "plagio", até porque, toda pessoa que ama, usa o plagio para começar a amar. Se alguém tivesse me ensinado o contrario, este blog talvez não existiria. Mas como ele, agora existe, aproveito e desejo a todos muita paz !!!!