25 de novembro de 2008

Sem Título (Conto)

Uma mulher, vestida com lã de alpaca, num calor de dez graus. Aqui, isso é calor. Um sol que não aquece, apenas queima e depois abraça. Pele salgada, de uma cor marrom jacarandá. Rugas em brasa. Sanduíche na mão. Porco, cebola roxa, tomate, pão de ontem. Sim, ontem tudo era diferente, principalmente o pão. A porca come, não, não porcamente, e sim, pacientemente. Cachorro. Chega perto, intrometido. Come a cebola que caiu no chão, antes dela, não, não percebeu. Flores. Muitas. Tantas que não vejo porque descrevê-las. Espera. Peso no ombro. Direito. Pontual. Família junta anda e entra num taxi. Não, espera, o taxi não parou. Filho da puta. Filha. Dezesseis anos. Filho? Onze anos. Pai e mãe. Sem flores nas mãos. Já terminaram. Sinto muito. Acena, o pai, para outro taxi. Boa sorte. Cachorro. Sai! Acabou a cebola. Peso no ombro. Direito. Reconheço os rostos. Claro. Mas será que me reconhecem? Faz tanto tempo, não é? Você não era...? Não lembro. Mas sei que a conheço. É amiga da... claro. Mãe da Maria Angélica. Seu cabelo está mais vermelho. E você, era tio...a não o primo. Que óculos são esses? Peso. Ombro direito. Calma! Devagar. O peso aumenta! Onde está a mendiga? Você estava aqui da última vez que vim. Ah, bem, está na sombra, claro, mas a esta hora, sombra? Como você a achou? Mesmo chapéu, quase antigo. O que aconteceu com suas pernas? Pele salgada. Cabelos, todos ainda, na sua idade! Genética de raças humanas...a raça humana, não é só uma. Não pode ser. Este cachorro que não me larga! Solta as minhas calças! Mas as suas pernas...da mendiga. Sim obrigado. Sim, grato, estamos gratos, a família é grata. Quanto falta? Meu Deus. O sol. Minha cabeça está fervendo. Alguém ali atrás não está ajudando como deveria! O sol. Minha coluna não vai agüentar. O cimento. Cuidado, degrau! Descendente...pisei o ar. Meu joelho! Cimento está queimando a sola dos sapatos. O cachorro está me seguindo. Cachorros sempre estão seguindo alguém que se perde. Um passo atrás do outro. Não falta muito. Lembra da última vez que esteve aqui. Falta muito. Essa senhora limpa a grama com isso? Todas as....ai! Meu ombro. Ajudem! Quem está atrás de mim? Agüenta! Quem diria. Ontem mesmo eu estava andando na praia. Agora falta o ar. Falta ar aqui. Não sou eu. Altitude. Mal de altitude. Está acontecendo. Vou vomitar. Respire. Respire...isso. Olha para o lado. Foca nos nomes. Arturo Sandoval, Miriam Inês Sandoval. Coronel Martin Velasco. Família Calajuari. Alguém trouxe água? Claro que não. Tem água aqui. E as flores vamos colocar dentro de quê? Família Sanchez. Aqui não faltam nomes. A minha coluna não sente mais, e as minhas pernas...as minhas pernas não estão lá, sinto o suor, a minha camisa por dentro está tomada por suor. Quanto cimento. E as velas. Esse se foi ontem ou hoje. Não vou agüentar. Se cair, não vai cair. Respire. Porque não choro? Seus cabelos estavam prateados ainda, como o mar de Buenos Aires. Cabelos da cor das veias deste solo. Prata. Chegamos? Alguém veio ajudar. Meu Deus, é agora. Tem que abrir o cadeado. O cadeado! A chave está com a filha, é a tia. A filha é tia também e mãe. Meu Deus, é agora. Peso, vou cair, me ajudem a empurrar! Vamos, empurrando, isso. Coloca até o fundo. Cheiro a pó de cimento. Madeira pesada. Onde está o moço que vai lacrar o nicho? Respira. Estou adormecido. Adormeço e no momento que pensei seria um de choro, apenas olho. O gesso cobrindo o buraco. O ataúde que estava no meu ombro, porque ninguém ajudava? Meu ombro está em carne viva! Este momento não é...o buraco foi tampado. Tão rápido? Não tive tempo de me despedir. Eu não tive tempo de me despedir! Esperem. Abram o buraco de novo! Não tive tempo de me despedir. Minha linda, minha fonte, minha luz de olhos mel com prata. Você já tinha ido. Data de sua morte no gesso antes que ele seque. Somente até colocarem um homenagem em mármore italiano, ou granito chileno. Obrigado por terem vindo. Obrigado. Obrigado. Obrigado. Abraços, afetos, lágrimas, palavras...tudo se transforma no vazio. Sim, que descanse em paz.

Te choro. Quero o peso no meu ombro de volta. Quero um minuto com você, de volta. Me ajude a descansar em paz. Porque ainda te choro. Venha, me visite ,de novo e de novo, mesmo que não seja de meu jeito. De novo te espero. Mas por enquanto, te choro.