25 de outubro de 2009

"O Interrogatorio"

Uma vigilia pela humanidade. Uma peça que trata do horor dos que sofreram no Holocausto, independente do lado em que estavam. Uma peça que dura 24 horas. Mais de trinta atores apenas vivendo e contando as historias de alguns sobreviventes. Uma obra escrita por Peter Weiss. Dirigida Por Eduardo Wotzik. E eu, graças a Deus, fiz parte deste projeto, como ator. www.ointerrogatorio.blogspot.com

"A Ultima Quinta"



O meu primeiro "produto" pronto como diretor de cinema, ou de algo que se possa chamar de cinema, é este curta feito com muito carinho e com um pessoal maravilhoso. Estamos indicados para a mostra competitiva do Festival de Cinema Brasileiro de Brasilia!

7 de junho de 2009

Carta Pra Val

Valzinha,
A minha memória mais antiga, (ou seria a primeira?), é a do som do motor de um carro juntando-se à de um cheiro amargo mas sutilmente acolhedor. O carro era um fusca, e o cheiro era do combustível queimado saindo pelo exaustor. Eu estava parado, na calçada, enquanto o fusca subia a rua com esse barulho típico dos anos 60 que era o rugido dos motores Volkswagon. Do outro lado da rua vi um homem saindo violentamente pela porta laranjada de uma casa bege. Atrás dele, saíram dois braços que o seguraram com força e o puxaram para dentro da casa de novo. Um encontro, que para mim, durou uma eternidade, e uma lembrança que me seguiu a vida toda. Esses braços que suplicavam, "Fique. Fique!". Fiquei hipnotizado pelo embate entre o homem querendo se desnudar desse controle e os braços que sofriam para exercer algum domínio sobre seu corpo. Senti então um aperto no meu ombro e ouvi uma voz me dizendo, "Vamos. Vamos, Rafinha!". Anos depois divulguei esta memória à minha mãe. "Meu Deus, você tinha acabado de fazer um ano de idade!”, ela disse, e prosseguiu com a sua explicação do acontecido. “Tua avó te levava à escola todos os dias, o aperto no ombro que você sentiu deve ter sido a mão dela te puxando para continuarem ruma à escola. O homem era o tio Dorival, nosso vizinho de rua. Deve ter sido o dia em que ele largou a sua mulher, a Leila. No dia seguinte ela foi encontrada morta." A minha vida toda foi marcada por essa mão me amparando, empurrando ou segurando. Seja a da minha avó, minha mãe, amigos, irmãos...a tua. Talvez sempre precisasse desse ponto de referência? Ou simplesmente faço parte do clichê do medo de ficar sozinho. Agora estou velho. Não tenho mais a sapiência e equilíbrio de uma criança, mas tenho você, e sei que, mesmo estando deitado nesta cama frigida de hospital, não posso mover meus passos por este atroz labirinto que é a minha vida, sem você. Sua mão e seu coração me seguram com vigor inconfundível e mi dizem, "Vamos , vamos, Rafael!" Mas, agora, está na hora de você deixar que eu vá. Não pode haver embate, braços suplicando, nem choro desperdiçado, pois eu não sou o Dorival e nem você é a Leila. A nossa vida foi um sonho. Está na hora de separar a vida do sonho - de deixar que a minha vida acabe e o teu sonho continue. Os médicos sabem o que fazer. Já ficou combinado. Não se preocupe com nada. Por favor, saiba que nunca escondi nada de você, e que tomar esta decisão sem te consultar, dói mais do que eu poderia imaginar. Esta será a minha última carta, pois tanto eu quanto a nova enfermeira que transcreve os meus rabiscos, estamos exaustos. (Lucinha ainda está de férias. O método que ela criou para entender os meus rabiscos tem que ser divulgado! Talvez, juntas, vocês possam fazer algo à respeito. Agradeça a ela por mim, tá?) A boa notícia, é que o livro está terminado! Gostaria de saber o que acha, mas desta vez não terei a sabedoria de suas críticas me amparando. Até sempre. Te amo e sempre te amei. Rafael.

29 de janeiro de 2009

Soneca

Ele acordara com algumas gotas de suor ainda se formando nas laterais do seu rosto. Num lugar que ele achara esquisito, mas que com o tempo, acostumara-se e até esperava senti-las aparecer de vez em quando – entre os olhos e o final de suas costeletas. Acordara, mais uma vez sem saber onde estava. Seu sonho havia lhe transportado para outro país, outra vida, outra família, outros amores. Acordara, sem saber, mais uma vez, como o sonho acabaria. Acordara, mais uma vez, minutos antes do alarme tocar. Quando ele tocou, não lembrara porque o havia ligado. Demorou uns três piscares de olhos, duas inspirações profundas e uma varrida de olhar pelo teto. Claro! Devia ir à apresentação de um artista plástico com sua namorada às oito e meia. Pegou seu celular, e telefonou, assim, automaticamente. Este número está indisponível...mas em inglês. The number you have reached...Lembrara então, que ela havia se mudado durante o tempo em que eles “haviam dado um tempo” e que não tinha o telefone dela. Um leve pânico tomou conta de seu peito, ao perceber que, espera aí, ele estava nos Estados Unidos! Ele fora precisamente para vê-la, fazer as contas, tentar algo novo...não, ele fora a negócios mesmo. Se viram, na rua? Não se lembrava, mas ele sabia que do quarto de seu hotel ele deveria ligar para ela para marcar o ponto exato de encontro. E agora sem ter o seu número, mas que idiota, não pegara seu número! Invadiu-lhe então, uma profunda tristeza, pois sentiu que o sofrimento de estar longe dela, quando tivesse que voltar para seu país, começava nesse exato momento, nesse instante no qual ele não tinha mais como se comunicar com ela. Abriu seu celular, ainda deitado, enquanto as paredes se derretiam, e ligou para um segundo número que achara.
- Alô?
- Oi!
- Alô?
- A Claudia está?
- No es. No.
- Claudia?
- Si.
- É você?
Merda de celular.
- No. Is not Claudia. Un momento. Please.
O pânico, o sentimento de solidão, a tristeza, foram sugados de dentro dele para fora, como se alguém tivesse inserido um canudo pelo seu nariz, e chupado bem forte. Enquanto esperava, lembrou que sonhara com uma ex-namorada que roubava-lhe suas cuecas e que depois do rompimento do namoro, fizera quadros com a tela das cuecas. Em fim, apenas um sonho.
- Alô?
- Claudia!
- Oi! Tá pronto?
- Onde a gente se encontra?
- No Averely Hall. Não esqueça, vinte minutos antes da hora.
- Ok.
- Sabe chegar lá né ?
É claro que ele sabía. Respirou profundamente então. Depois de desligar o telefone percebeu o quanto a amava. As paredes ainda se derretendo, e ele registrando que seu corpo lhe ajudara a constatar que a falta dela, mais uma vez, talvez não seria um fato suportável, nem mesmo superável, de novo.
As paredes , espera um pouco, as paredes se derretendo? Mas elas não eram brancas? Porque estão laranja agora? Olhou para o teto, e percebeu um grande ventilador, de marfim, as sombras das palhetas, criando tentáculos que atravessam o quarto enquanto o ventilador exercia sua função rotatória. Como ligara o ventilador? Ventilador gastará menos que um ar condicionado? Gasta. Mas um de marfim? E no verão? De repente, do banheiro do quarto, saiu a ex-namorada - a das cuecas e os quadros. Nua. E visivelmente faminta. Tocou, então, de repente, o seu alarme. Estava no “mode” soneca. Percebeu que ainda sonhava. Meu Deus, pensou. Pegou o celular e ligou para Claudia.